sexta-feira, março 16, 2007

"Hospitais privados portugueses não permitem desligar ventilador nos seus códigos de ética

Se o caso de Inmaculada Echevarría tivesse lugar em Portugal, a paciente espanhola também teria de recorrer a hospitais públicos para que a sua vontade fosse respeitada. Isto, porque retirar os ventiladores que a mantiveram viva, até anteontem à noite, não é uma conduta médica aceite na maioria dos hospitais privados no país - sendo eles vinculados ou não a uma ordem religiosa.
Os hospitais públicos devem respeitar, por lei, a vontade do paciente no que toca à terapêutica a ser aplicada. Há, contudo, algumas situações de difícil definição. António Oliveira e Silva, director adjunto do Hospital de São João, no Porto, recorda que o ventilador pode ser encarado como um suporte de vida e não um tratamento. 'E, assim sendo, o caso ocorrido em Espanha pode ser visto como eutanásia passiva. É sempre mais fácil tomar a decisão de não ligar o ventilador do que a de desligá-lo', refere o médico. Mas confessa que, no caso da paciente espanhola, respeitaria o desejo de Immaculada.
'O caso que ocorreu na Andaluzia é uma situação praticamente impossível em instituições como a nossa, que defende a vida como um valor absoluto', afirmou ao PÚBLICO António Tavares, comissário adjunto da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que abrange unidades de saúde como o Hospital da Prelada. O paciente ou a sua família são livres de pedir a transferência para um outro hospital, acrescenta, desde que seja assinado um termo de responsabilidade.
O responsável da Misericórdia do Porto recorda que os médicos que ali trabalham sabem que 'há um conjunto de valores religiosos a ter em conta'. E, como tal, presume-se que a 'objecção de consciência' não lhes permita desligar a máquina sem a qual um paciente (neste caso num estado avançado de distrofia muscular progressiva) simplesmente não consegue levar ar até aos pulmões.
'Os médicos são livres de concordarem ou não com os nossos códigos de ética. Mas se optam por trabalhar connosco, é porque estão de acordo com os valores da Santa Casa. Neste capítulo, a nossa posição é muito semelhante à que tomamos em relação à interrupção voluntária da gravidez', conclui António Tavares.
O Grupo Mello Saúde não quis fazer comentários sobre a ocorrência de uma situação homóloga à da paciente andaluza numa das suas unidades, uma vez que a posição dos hospitais CUF Saúde neste tipo de situação 'está descrita no código de ética'. Este documento refere que 'é vedado aos profissionais recusar ou suspender meios proporcionados de suporte de vida de pessoas, incluindo os recém-nascidos, mesmo que não haja probabilidades de sobrevivência' - ou, por outras palavras, há ali 'a proibição da eutanásia por omissão de tratamento'.
Na opinião do médico Daniel Serrão, especialista em bioética, o caso de Inmaculada Echevarría 'não é uma situação de eutanásia', mas sim o de 'uma paciente em perfeito estado de consciência que pediu a interrupção de um tratamento'. Invocando o direito do doente de escolher ser ou não submetido a uma determinada terapia, Daniel Serrão entende que a opção da portadora de distrofia muscular progressiva é tão legítima como a de um fiel das Testemunhas de Jeová, que costumam recusar transfusões de sangue, mesmo quando está em causa uma hemorragia ou anemia grave.
Daniel Serrão confirmou ainda que a maioria dos hospitais privados portugueses faz o elogio do 'princípio da ética personalista' - ou seja, consideram que o paciente 'é dono do seu corpo, mas não da sua vida'. Usam todos os meios proporcionados ao seu alcance para salvar uma vida, embora rejeitem a tentativa de prolongar a vida a qualquer custo (encarniçamento terapêutico) - é o caso de terapias ineficazes que só aumentem a dor ou que sejam desproporcionadas em relação à utilidade para o paciente.
'É um direito dos hospitais definir o seu código de ética', diz Daniel Serrão, 'mas também é um direito de uma pessoa em perfeito estado de consciência aceitar ou rejeitar um tratamento.' Quando os direitos de cada uma das partes são inconciliáveis, só há uma saída possível: a transferência para uma outra unidade de saúde. Foi o que aconteceu com Immaculada Echevarría, que foi transportada de uma unidade de saúde católica (Hospital San Rafael) para um estabelecimento público (Hospital de San Juan de Dios de Granada). Veio a falecer anteontem à noite, sem dores e sozinha, como era o seu desejo. Por imposição do Comité de Ética e Investigação Sanitária, a paciente foi sedada antes de o ventilador lhe ser retirado.
'É um direito de uma pessoa em perfeito estado de consciência aceitar ou rejeitar um tratamento', diz Daniel Serrão." (Andréia Azevedo Soares - Público, 16/03/2007)

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