sábado, março 24, 2007

"Assistência religiosa nos hospitais vai permitir igualdade de acesso a todos os doentes"

"A assistência religiosa nos hospitais deverá passar a ter, em breve, nova regulamentação, uma vez aprovado um decreto-lei que foi já remetido pelo Ministério da Saúde à Comissão da Liberdade Religiosa (CLR). Esta deverá agora apreciar a proposta, que prevê iguais condições de acesso dos doentes ao serviço religioso, a instituição de um lugar interconfessional em cada hospital e a criação da figura do ministro de culto.
No início de Abril, o projecto será debatido pela CLR, que enviará ao ministério um parecer. O padre José Nuno, coordenador nacional das Capelanias Hospitalares católicas e capelão do Hospital de São João, no Porto, manifesta, em declarações ao PÚBLICO, o desejo de que o processo corra célere.
Se forem mantidas as ideias fundamentais do anteprojecto, serão garantidas a todos os doentes que o desejem iguais condições no acesso à assistência religiosa. Ou seja, os ministros e representantes de confissões minoritárias poderão ter acesso aos hospitais em condições semelhantes às concedidas aos capelães católicos. Esta disposição concretiza o que está previsto na Lei de Liberdade Religiosa, de 2001. Mas a sua falta de regulamentação tem motivado, até agora, situações de discriminação.
'O que está em causa não é um direito das confissões religiosas, é o direito dos doentes a terem assistência religiosa', diz o padre José Nuno. 'É preciso respeitar o direito de cada pessoa a ser assistida segundo a sua convicção', acrescenta, sublinhando que, 'na hora de sofrer ou de morrer, todo o doente tem o direito de ser assistido pelo seu credo'.
Além da possibilidade de cada doente ter acesso a um ministro de culto da sua confissão, o decreto-lei prevê ainda que os hospitais instituam um lugar ecuménico ou inter-religioso que esteja ao serviço das diferentes confissões. Também a instituição da figura do ministro de culto, que terá autorização para visitar os doentes que o desejem, será outra medida prevista nesta fase da discussão.
Há três problemas que o padre José Nuno admite poderem ser de difícil resolução. Um é o caso de pessoas que, sem autorização da sua confissão, pretendem ter acesso livre ao hospital ou aos doentes. Há ainda situações de 'abuso' de ministros de culto que fazem pressão sobre doentes, mesmo quando estes não pretendam tal assistência.
A terceira questão será a da contratação de assistentes religiosos pelos hospitais. Neste momento, o rácio prevê que um capelão católico possa ter, no máximo, 799 camas. 'É a pior taxa da Europa', diz José Nuno. Quando chegar a hora de ter assistentes de outras confissões religiosas, mesmo que esse rácio seja diminuído, o Estado talvez tenha que contratar um assistente para vários hospitais de uma mesma zona, diz o padre.
Nos últimos meses, têm-se repetido queixas de ministros de confissões minoritárias impedidos de verem doentes. O PÚBLICO falou com o bispo José Sifredo e com o pastor Eduardo Conde, ambos da Igreja Metodista. O primeiro já por duas vezes se viu impedido de entrar no Hospital de Pedro Hispano, em Matosinhos. No primeiro caso, Sifredo queixou-se à Comissão de Liberdade Religiosa, no segundo optou por deixar uma queixa no livro de reclamações. Eduardo Conde foi impedido de entrar, há pouco mais de um ano, no Hospital de Aveiro. Depois disso, já por outras vezes lá voltou sem problemas.
Deverão ser garantidas a todos os doentes que o desejem iguais condições no acesso à assistência religiosa" (António Marujo - Público, 24/03/2007)

quinta-feira, março 22, 2007

"Lesões no cérebro geram escolhas morais anormais"

"A equipa do neurocientista António Damásio quis saber se as emoções são ou não essenciais ao funcionamento do nosso eu moral
Você sabe que uma dada pessoa tem sida e que tenciona deliberadamente infectar outras. Algumas dessas pessoas irão com certeza morrer. As duas únicas opções que você tem são deixar que isso aconteça ou matar a pessoa. Você carrega no gatilho?
A mera hipótese de virmos a ser confrontados com uma escolha destas, mesmo que retoricamente, provoca-nos arrepios, tal é a nossa aversão natural à ideia de tirar a vida a outro ser humano. No entanto, há pessoas que respondem pela afirmativa quando este cenário imaginário lhes é colocado. E essas pessoas, que basicamente não hesitariam em obliterar uma vida humana 'em nome do bem colectivo', apresentam lesões numa região do seu cérebro necessária à produção de emoções.
António Damásio, da Universidade da Califórnia do Sul (USC), Marc Hauser, especialista do comportamento animal da Universidade de Harvard, e os seus colegas quiseram saber o seguinte: perante um dilema moral deste género, será que os sentimentos que nos acossam são somente uma consequência do horror da situação evocada? Ou será, pelo contrário, graças ao nosso cérebro 'emocional' que somos capazes de fazer a escolha moral mais humana - a menos utilitária e fria -, recusando-nos a entrar na pele de um homicida justiceiro?
Para Damásio, autor do célebre livro O Erro de Descartes, a razão humana precisa das emoções para funcionar: não há escolha racional acertada na vida real sem a participação das emoções, da intuição, das nossas vísceras. Quanto a Hauser, autor de um recente livro intitulado Moral Minds: How Nature Designed Our Universal Sense of Right and Wrong, tem estudado nos animais os comportamentos precursores dos comportamentos morais humanos.
Estes cientistas concluem hoje, num artigo publicado na revista Nature, que as emoções desempenham efectivamente um papel essencial no nosso desempenho moral. Sem elas, o nosso juízo moral não funciona. 'O nosso trabalho fornece a primeira demonstração causal do papel das emoções nos juízos morais', diz Hauser, citado por um comunicado conjunto da USC, da Harvard e do Caltech.
Os investigadores apresentaram uma série de 13 dilemas morais deste tipo a 30 pessoas de ambos os sexos. Desses voluntários, seis tinham lesões no córtex prefrontal ventromedial (VMPC), 12 tinham outras lesões cerebrais e 12 não tinham lesões. O VMPC, situado ao nível da testa, faz parte dos circuitos 'emocionais' do cérebro.
Embora o dilema referido mais acima não fizesse parte do conjunto sob essa forma, algumas das escolhas propostas eram talvez mais arrepiantes ainda. Por exemplo: 'Soldados inimigos invadiram a sua aldeia. Você e outros refugiam-se num sótão [...] O seu bebé começa a chorar. [...] Você tapa-lhe a boca. [...] Para salvar a sua própria vida e a dos outros você precisa de matar o seu filho por asfixia. Você asfixiaria o seu bebé para salvar a sua própria vida e a dos outros?'
Também foi pedido aos participantes para responderem a outros tipos de dilemas - uma série de dilemas morais menos pessoais e uma série de dilemas sem componente moral. Mas foi apenas perante os dilemas morais em que a morte imediata de alguém serve para evitar a morte futura de muitos que as diferenças entre as pessoas com lesões no VMPC e as outras se tornaram gritantes, com uma proporção significativamente mais elevada de respostas afirmativas, neste grupo, à resolução dos dilemas pelas armas, por assim dizer.
'O que é absolutamente espantoso', acrescenta Hauser, 'é a selectividade deste défice. As lesões do lóbulo frontal deixam intactas toda uma série de capacidades na resolução de problemas morais, mas afectam os juízos nos quais uma acção que provoca aversão é colocada em conflito directo com um desfecho fortemente utilitário'. Por seu lado, Ralph Adolphs, do Caltech, explica: 'Devido às suas lesões cerebrais, [as pessoas com lesões no VMPC] apresentam emoções anormais na vida real. Falta-lhes empatia e compaixão.'." (Ana Gerschenfeld - Público, 22/03/2007)

sexta-feira, março 16, 2007

"Hospitais privados portugueses não permitem desligar ventilador nos seus códigos de ética

Se o caso de Inmaculada Echevarría tivesse lugar em Portugal, a paciente espanhola também teria de recorrer a hospitais públicos para que a sua vontade fosse respeitada. Isto, porque retirar os ventiladores que a mantiveram viva, até anteontem à noite, não é uma conduta médica aceite na maioria dos hospitais privados no país - sendo eles vinculados ou não a uma ordem religiosa.
Os hospitais públicos devem respeitar, por lei, a vontade do paciente no que toca à terapêutica a ser aplicada. Há, contudo, algumas situações de difícil definição. António Oliveira e Silva, director adjunto do Hospital de São João, no Porto, recorda que o ventilador pode ser encarado como um suporte de vida e não um tratamento. 'E, assim sendo, o caso ocorrido em Espanha pode ser visto como eutanásia passiva. É sempre mais fácil tomar a decisão de não ligar o ventilador do que a de desligá-lo', refere o médico. Mas confessa que, no caso da paciente espanhola, respeitaria o desejo de Immaculada.
'O caso que ocorreu na Andaluzia é uma situação praticamente impossível em instituições como a nossa, que defende a vida como um valor absoluto', afirmou ao PÚBLICO António Tavares, comissário adjunto da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que abrange unidades de saúde como o Hospital da Prelada. O paciente ou a sua família são livres de pedir a transferência para um outro hospital, acrescenta, desde que seja assinado um termo de responsabilidade.
O responsável da Misericórdia do Porto recorda que os médicos que ali trabalham sabem que 'há um conjunto de valores religiosos a ter em conta'. E, como tal, presume-se que a 'objecção de consciência' não lhes permita desligar a máquina sem a qual um paciente (neste caso num estado avançado de distrofia muscular progressiva) simplesmente não consegue levar ar até aos pulmões.
'Os médicos são livres de concordarem ou não com os nossos códigos de ética. Mas se optam por trabalhar connosco, é porque estão de acordo com os valores da Santa Casa. Neste capítulo, a nossa posição é muito semelhante à que tomamos em relação à interrupção voluntária da gravidez', conclui António Tavares.
O Grupo Mello Saúde não quis fazer comentários sobre a ocorrência de uma situação homóloga à da paciente andaluza numa das suas unidades, uma vez que a posição dos hospitais CUF Saúde neste tipo de situação 'está descrita no código de ética'. Este documento refere que 'é vedado aos profissionais recusar ou suspender meios proporcionados de suporte de vida de pessoas, incluindo os recém-nascidos, mesmo que não haja probabilidades de sobrevivência' - ou, por outras palavras, há ali 'a proibição da eutanásia por omissão de tratamento'.
Na opinião do médico Daniel Serrão, especialista em bioética, o caso de Inmaculada Echevarría 'não é uma situação de eutanásia', mas sim o de 'uma paciente em perfeito estado de consciência que pediu a interrupção de um tratamento'. Invocando o direito do doente de escolher ser ou não submetido a uma determinada terapia, Daniel Serrão entende que a opção da portadora de distrofia muscular progressiva é tão legítima como a de um fiel das Testemunhas de Jeová, que costumam recusar transfusões de sangue, mesmo quando está em causa uma hemorragia ou anemia grave.
Daniel Serrão confirmou ainda que a maioria dos hospitais privados portugueses faz o elogio do 'princípio da ética personalista' - ou seja, consideram que o paciente 'é dono do seu corpo, mas não da sua vida'. Usam todos os meios proporcionados ao seu alcance para salvar uma vida, embora rejeitem a tentativa de prolongar a vida a qualquer custo (encarniçamento terapêutico) - é o caso de terapias ineficazes que só aumentem a dor ou que sejam desproporcionadas em relação à utilidade para o paciente.
'É um direito dos hospitais definir o seu código de ética', diz Daniel Serrão, 'mas também é um direito de uma pessoa em perfeito estado de consciência aceitar ou rejeitar um tratamento.' Quando os direitos de cada uma das partes são inconciliáveis, só há uma saída possível: a transferência para uma outra unidade de saúde. Foi o que aconteceu com Immaculada Echevarría, que foi transportada de uma unidade de saúde católica (Hospital San Rafael) para um estabelecimento público (Hospital de San Juan de Dios de Granada). Veio a falecer anteontem à noite, sem dores e sozinha, como era o seu desejo. Por imposição do Comité de Ética e Investigação Sanitária, a paciente foi sedada antes de o ventilador lhe ser retirado.
'É um direito de uma pessoa em perfeito estado de consciência aceitar ou rejeitar um tratamento', diz Daniel Serrão." (Andréia Azevedo Soares - Público, 16/03/2007)
"Quem dá sangue tem mais benefícios do que quem dá órgãos"

Um dador de sangue tem isenção de taxas moderadoras, pode ter prioridade na marcação de consultas, um dador de rim ou fígado não tem qualquer tipo de benefício, critica Margarida Carvalho, médica do Hospital de Torres Novas que em Setembro de 2004 doou 60 por cento do seu fígado ao seu filho de 13 anos.

As pessoas que dão parte do seu fígado a um familiar têm que ficar em períodos até dois meses em repouso absoluto. No caso de Margarida nem sequer o seguro de vida lhe serviu de nada, porque não tinha sofrido 'um acidente', nem a doação era considerada 'uma doença'.
A médica sublinha que existem também outro tipo de distorções: enquanto um doente com um transplante renal não paga medicamentos, os que recebem um fígado pagam-nos e os chamados medicamentos 'imunosupressores' (que evitam a rejeição do órgão) têm que se tomar toda a vida, nota.
Dulce Pitarma, assistente social no Hospital Pediátrico de Coimbra, confirma e lamenta esta situação e diz que as famílias em que um familiar doa parte do seu órgão têm grandes dificuldades em comprar a medicação. Num dos casos que está a acompanhar, a despesa mensal é de cerca de 230 euros por mês.
À despesa junta-se ao facto de os dois pais - o que doa e o que tem que ficar a tomar conta da criança - terem que ficar meses de baixa. Na sua opinião, devia haver 'um subsídio de dador vivo' por um período de dois a três meses, tal como, por exemplo, funciona uma licença de maternidade.
Problemas à parte, Margarida Carvalho diz que a doação de órgãos por familiares 'tem que ser desmistificada. Não é nenhum bicho de sete cabeças. Pode-se ficar com uma vida normal', como foi o seu caso. Há familiares que não doam parte do seu fígado 'por ignorância ou por medo do desconhecido. Todos os dadores de fígado estão vivos e de saúde', reitera.
Em Portugal não há mortes de dadores a registar até à data. Mas noutros países sim. Os japoneses, que são 'campeões' em intervenções com dadores vivos, tiveram 'mil transplantes sem mortes', lembra o cirurgião reformado dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) que foi pioneiro no transplante renal e hepático, Linhares Furtado. Até que 'ao 1001º aconteceu', nota.
A doação de dadores vivos está limitada a familiares até ao terceiro grau. Se um marido quiser doar um rim ou parte de um fígado à mulher, a lei portuguesa não o permite. A proposta de lei que pretende acabar com esta restrição está desde o ano passado na Assembleia da República. A presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, Maria de Belém, espera que seja aprovada ainda antes de o Parlamento parar para férias de Verão.
'Se há meia dúzia de anos os transplantes de dador vivo representavam três a quatro por cento do total, agora já se vai nos 10 por cento', refere Linhares Furtado. Aumentar o número de transplantes com dador vivo 'depende das pessoas, não dos cirurgiões', defende. Apesar de estar longe das médias dos países escandinavos (onde estes chegam a ser superiores ao de dador morto), Linhares Furtado diz que estamos no bom caminho.
A pedido do Parlamento, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) pronunciou-se no ano passado a favor do fim das actuais limitações da lei portuguesa - desde que haja uma relação próxima, afectiva e estável entre o dador e o receptor de órgãos. O objectivo é evitar práticas de comércio de órgãos. O CNECV entende que deve ser constituída uma entidade de verificação e admissibilidade de colheita para transplante.
Mas, mesmo quando a limitação for levantada, o presidente da Organização Portuguesa de Transplantação (OPT), Manuel Abecasis, não julga que as doações obtidas desta forma sejam significativas. 'Pode haver meia dúzia.' Morais Sarmento, presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação, também acredita que a mudança da lei não leve à subida 'espectacular de doações'.
A situação de doação mais frequente, no caso dos rins, é a mãe a doar um dos rins. 'As mães são mais disponíveis', afirma Alfredo Mota, responsável pela Unidade de Urologia e Transplantação dos HUC. A doação de medula óssea é uma situação diferente, porque não implica intervenção cirúrgica. Há 75 mil voluntários, o que coloca Portugal no quarto lugar da Europa, afirma Manuel Abecasis. Estes 'resultados extraordinários' devem-se ao mediatismo adquirido pela questão devido 'ao empenho de Duarte Lima' e à dotação de verbas pelo Ministério da Saúde para estudos de dados. A avaliação de cada doador custa cerca de 150 euros, informa o presidente da OPT." (Catarina Gomes, com Alexandra Campos - Público, 15/03/2007)

quinta-feira, março 15, 2007

"Por uma nova política para o trabalho sexual" (Público - 15/03/2007)

"No momento político e social em que vivemos, marcado por um debate intenso sobre o trabalho sexual, entendemos que devemos mobilizar os conhecimentos resultantes de anos de reflexão e interacção com os actores sociais que vivem do comércio do sexo. Como cientistas sociais defendemos uma acção articulada dos académicos críticos com os movimentos sociais e as suas lutas, combinando o saber académico com o engajamento, segundo o sentido atribuído por Bourdieu: o saber socialmente comprometido, que desafia e transcende a fronteira, definida como sagrada e inscrita nas nossas mentes, da separação entre o conhecimento científico e a intervenção no mundo exterior à academia.
A assunção generalizada de que a prostituição constitui por si mesma uma forma de violência sobre as mulheres não tem consistência teórica e empírica. A maioria das pessoas que exerce trabalho sexual não se define como vítima, nem considera que é sexualmente explorada, o que, independentemente de o ser ou não objectivamente, pressupõe respeito pelo seu modo de vida. Bastantes destas mulheres, homens e transgéneros têm considerável poder sobre si e a sua vida, entendendo que fazem um trabalho como qualquer outro, mas sem direitos.
A prostituição não se confunde com o tráfico de mulheres, embora por vezes se cruzem. Algumas das pessoas que se prostituem são vítimas desse crime, mas a grande maioria dos trabalhadores do sexo não tem qualquer ligação às redes de tráfico e exploração sexual, considerando-se no exercício da sua liberdade, ainda que eventualmente condicionada. A imagem da mulher imigrante enganada por redes de tráfico e exploração sexual, além de abusivamente generalizada, oculta as políticas restritivas da emigração e os problemas dos imigrantes. São as leis em vigor que levam a situações abusivas e criminosas face aos candidatos a imigrantes e que impedem a justa legalização de todos os homens, mulheres e transgéneros que trabalham, incluindo os da indústria do sexo.
As leis proibicionistas e abolicionistas são igualmente repressivas. Embora diferentes, elas aproximam-se quando instituem a criminalização da procura, forma indirecta de impedir o livre exercício do sexo mercantil. Os apoiantes destas leis simplificam conceitos, deformam factos, desqualificam os trabalhadores do sexo e colocam sob suspeita os que se lhes opõem. Repudiamos tais medidas discriminatórias e conducentes a uma maior estigmatização e marginalização dos trabalhadores do sexo. Para além de não terem em consideração os seus interesses e as suas reivindicações, não combatem formas de exploração, dominação e violência a que estão sujeitos.
A descriminalização de todos os aspectos do trabalho sexual e a sua aceitação como profissão são a melhor forma de defender os adultos que trabalham neste sector e que têm graves problemas por falta de condições de trabalho adequadas, protecção jurídica, representação sindical e interesse das autoridades em as proteger.
Defendemos a adopção de medidas de intervenção social e psicológica para os casos de exclusão, bem como o apoio a projectos de vida realistas e alternativos para os que desejem deixar o trabalho sexual. Consideramos importante haver programas de ajuda efectiva e de protecção às vítimas de redes de tráfico e exploração sexual, em articulação com medidas policiais e judiciais de repressão dos traficantes, e ainda a sua prevenção nos países de origem.
Como cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade mais tolerante, desafiamos o poder político a trabalhar na definição duma agenda progressista e inclusiva para o trabalho sexual, reconhecendo o direito de dispor do seu próprio corpo e de utilizar para satisfação do prazer de outros em troca de remuneração."
Alexandra Oliveira, Manuel Castro Silva e Fernando Bessa (Universidade do Porto, Universidade do Minho, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douto), com Johanna Schouten (UBI), Ana Lopes (Universidade de Coimbra) e Octávio Sacramento (UTAD)